domingo, 28 de junho de 2009

Piada sem graça

Aquele era o primeiro dia de aula na escola. Inicio do ano letivo de 2007. A escola havia montado um pequeno palco para falar aos alunos e apresentar as propostas de trabalho e projetos para o ano presente. Havia um projeto em especial que iria ser apresentado naquele dia. Um trabalho de pesquisa sobre a história da cidade. Os professores deveriam subir no palco e apresentar seu recorte temático e sua proposta de trabalho para os alunos. Meus alunos iriam pesquisar sobre os prédios antigos da cidade. Fora a decisão do grupo de professores com quem estava trabalhando. Como não era muito conhecedor das localidades históricas do município, pedi orientação aos que mais tempo moravam lá. Um dos professores, o Mirael, sujeito piadista, mas muito culto e informado, me disse “Leva os meninos para fazerem uma visita no Museu do Beco do Mocó”. Eu não conhecia. Mas pelo nome deveria ser um desses pequenos museus criados e mantidos por algum cidadão pobre (mas consciente de responsabilidade cultural) ou por uma pequena comunidade da periferia. Seria uma grande idéia. Levar os alunos para conhecerem essas iniciativas. Estava decidido. Eu iria comentar sobre isso lá no palco. Depois de toda aquela cerimônia e solenidade desenvolvida pela escola para apresentar o projeto, chegou a vez dos professores falarem. Era meu momento. Subi no palco, peguei o microfone. Depois de explicar a parte teórica e chata do projeto resolvi dar uma incentivada nos alunos, questionando seus conhecimentos acerca de prédios tradicionais da cidade.

- Vocês conhecem a Igreja da praça da M...?

- Sim – gritaram os alunos.

- Sabem me dizer por que ela só tem uma torre? Alguém? Ninguém sabe? Tudo bem, outra pergunta. Vocês sabem qual a única igreja da cidade que não tem sino? Também não? Acho que esse projeto vai lhes ensinar muita coisa interessante. Vocês conhecem o Museu do Beco do Mocó? Alguém?

Nesse momento, o diretor da escola que estava ao meu lado com um microfone na mão, se aproxima de mim com uma cara de serial killer de filmes americanos, tapa o seu microfone, me olha com um olhar que parecia sair faíscas e, num tom de voz baixo, mas imponente, diz:

- Porra professor. O beco do Mocó é um brega.

E dentro de mim uma voz disse: Mirael, sua desgraça!!!


Augusto F. Guerra

O herói do povo

Numa cidade do interior da Bahia, um político muito querido e famoso se torna vereador. Filho de outro político muito conhecido e influente - por comprar novas ambulâncias para o município – ele recebeu a alcunha de Tevo da Ambulança. Provavelmente seu nome era Estevão. Mas essa informação é de origem imprecisa, já que no interior a alcunha é mais forte e mais presencial que o nome de batismo. Tevo era desses políticos populares. Não terminou o ensino fundamental do segundo ciclo – dizem por aí, as más línguas, que nem havia terminado a alfabetização. Era de um discurso comedido e até pobre, mas de efeito e eficácia: as ambulâncias novas da prefeitura compradas por seu pai, político de renome. Na verdade quase nunca falava; melhor, nunca falou nada. Quem falava das ambulâncias era seu pai e o povo em geral, alem dos que o apoiavam; era citado, recomendado e sugerido por outros políticos no palanque. Sua imagem era constante nos comícios, mas ficava sempre à sombra dos grandes; calado. Com isso ganhou prestígio, mesmo não tendo dito uma única palavra sobre seus planos, seus projetos ou sobre suas intenções ao cargo público pretendido. Ele e o microfone pareciam não ser íntimos. Dizem os opositores, que Tevo tinha medo de microfones. Verdadeiro pavor. Mas, enfim, fato é que um dia Tevo falou. Já era, nessa situação, vereador. Na câmara, ocorria um debate acirrado sobre assuntos de interesse popular. Era xingamento daqui, ameaça dali, gritaria de lá, insultos de cá. E Tevo na sua calma habitual e no seu silencio quase místico. De repente um desses tipos zombeteiros, do meio da multidão gritou:

- Fala alguma coisa, Tevo.

Todo mundo parou. As atenções se concentraram na pessoa do vereador. Tevo se encaminhou até o microfone, olhou de um lado para o outro, viu aquela imensa aglomeração de pessoas. Olhou com certo receio para o microfone. Depois procurou com os olhos, pela multidão, o patife que o provocara. Ao identificá-lo, franziu o cenho, levantou o braço na direção do cidadão zombador, apontou - lhe e disse eloqüentemente:

- Lhe pego lá fora.

E falou Tevo. O meu, o seu, o nosso herói.


Augusto F. Guerra

“Horação”?



-Professor!

- Diga.

- “Oração” se escreve com “H”?

- Como?

- “Oração” se escreve com “H”?

-Claro que não. Apesar de haver uma semelhança fonética dos elementos constituintes do radical desta palavra e da palavra hora, essas não têm nenhuma relação de derivação. Na série que você se encontra você já deveria saber isso, não é, minha queridinha? Acho bom você começar a ficar mais atenta à ortografia das palavras para não cometer erros tão bobos e primários. Imagine você escrever um absurdo desses numa prova de concurso público ou numa prova qualquer. Um pouquinho mais de atenção e uma rápida pesquisa no dicionário poderia lhe tirar essa dúvida em poucos instantes.

- Professor!

-De novo?

- Tem certeza que “oração” não se escreve com “H”?

- Como? O que há com você, querida? Ainda essa história de “oração” com ‘H”? Por favor. Acho que já me fiz claro o suficiente, não. Se você continua com dúvidas, deveria procurar um psicólogo, não um professor. Você deve ter dislexia.

- Professor!

- De novo? Ainda a história da “oração” com “H”?

- É que o senhor escreveu “oração” com “H” no quadro.

-!!!


Augusto F. Guerra

A festa

- E aí, cara? Beleza?

- E aí, mermão? Tudo certinho. Pensei que não vinha pra esse forró.

- Como é que não vem? Já me disseram que nessa barraca dá muita gata.

- Se dá!

- Olha lá.

- O que?

- Aquelas duas sentadas. Vamo colá? Duas cachorra. Uma minha, outra sua.

- Quais duas?

- Aquelas na mesa do canto.

- Minha mãe e minha irmã!


Augusto F. Guerra