terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sob o céu desnudo

Eu não sei como aconteceu. Lembro que estava caminhando triste junto ao mar, quando, de repente encontrei aquela concha na terra molhada. Peguei-a e observei atentamente. Sua cor branca reluzente causava topor em minhas retinas; um orifício, na sua superfície, levava a uma cavidade interna de contornos turvos e coloração castanha... Uma brisa suave como um abraço esquecido no tempo veio do mar e confortou meu peito ácido. Ajoelhei-me na areia encharcada de sal. Um som maior que o canto das ondas do mar desbravou minha epiderme. Parecia vir do íntimo daquela relíquia do oceano. Levei-a com as mãos indecisas ao meu ouvido, e uma doce melodia escorreu, primeiro pelas minhas células nervosas, depois pelas minhas veias e aorta, até chegar voraz como um predador marinho ao coração. Depois disso, só lembro da concha desabar por entre meus dedos e a água salgada do mar alagar meus olhos. Agora estou aqui só, numa estrada turva e tortuosa, sob um céu de matizes castanho.

Augusto F. Guerra

Poeminha sem rima

.

O poeta não escreve
A hemorragia de suas dores
Mancha o papel
Que quando seca
Mostra seu peito
Dilacerado

Augusto F. Guerra

Vôo íntimo


O Augusto já morreu

O Fiodor é pretensão

O Guerra não sou eu

De tantos nomes

Que minha mente

Fabrica largo

Me chamo deserto


Augusto F. Guerra

Luz difusa


Um dia pensei em ser sol

Mas meus raios não iam tão longe

Nem minha luz era tão acalentadora


Me lancei nas nebulosas das emoções

Vaguei pelo universo de minhas idéias

E quis ser planeta: sem luz, mas

Propício a gerar vida e cores

Talvez até um asteróide

Ou cometa que, vagasse livre

Sem rumo, e um dia descansa

No ventre da terra


Mas, não...

O tempo veio devagar

Chegou com suas mãos ásperas

Puxou-me pelo ombro aridamente

E sussurrou no meu ouvido

Com uma voz de fogo e ácida

“Tu és satélite: não brilharás,

Não gerará, vida, não serás livre.

Teu destino é girar e servir

À gravidade de meus astros”

Depois disso, me fez lua.


Augusto F. Guerra

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Vinte e dois


Já era tarde quando veio o sono

Os pensamentos demoraram a dissolver

As densas camadas do dia

Uma sensação liquida

Explodiu na minha razão

Desceu pela boca

Deixou uma palavra doce

Escorreu pela garganta

Num som melódico e novo

Correu os pulmões

Num ar leve e agradável de paz

Chegou ao coração

E transformou-se

Em encantamento

Agora todo meu corpo

Tem o perfume dela

Fabio Cruz

Oblíquo acaso

.

De longe a avistei
Como numa quimera
Em sintonia com o mar
Olhos de maresia
Sorriso de sol
Pele alva como o pensamento

Na aquarela de meu íntimo
Suas cores gritavam azul
Sereia de um sonho de criança
Netuno de mares voluptuosos

Na mão o coração em púrpuro desejo
No peito um olhar anestésico

E a vida lhe corria pelas veias
Em translúcida calma
Em fervorosa beleza

Ah, aqueles olhos machadianos...

Fabio Cruz