sábado, 27 de setembro de 2008

Foto para um telejornal sensacionalista


O assaltante apareceu numa esquina. Nem teve tempo de pensar em fugir. Quando percebeu o que estava acontecendo já havia um revolver no meio de sua cara. Walter, que sempre se gabou de nunca ter sido assaltado, estava agora numa situação bastante delicada. O ladrão, um jovem de aproximadamente 18 anos, moreno, magro, e com uma cara cadavérica, pedira a carteira, “Passa o dinheiro, vagabundo”. Ele a deu, mas não havia dinheiro. Nessas ocasiões o meliante tende a ser agressivo. Pois não encontrando o que busca a raiva e a frustração lhe tomam. E foi o que aconteceu. Primeiro, um soco na cara. Walter foi ao chão. Um, dois, três, quatro chutes nas costelas. Como se não bastasse, classicamente uma coronhada na cabeça. Como pegou de raspão, levou outra. Essa em cheio. Bem atrás da cabeça. O pobre cidadão tentou levantar. Mas não lhe houve essa oportunidade. Dois tiros “ta-tá”. Mais três, “ta-tá-tá”. O corpo ficou estendido no chão. O assassino abandonou o corpo e a cena do crime correndo. Após alguns minutos, um vigilante passando ali perto, avistou o corpo. Aproximou-se. Revistou o cadáver. Nada de mais havia nos bolsos, somente um isqueiro e dois cigarros de maconha. Pegou o isqueiro, um desses de camelô, acendeu um cigarro, deu uma tragada. Olhou mais uma vez o corpo, "Filho da pu*”. Eram 3:20 da madrugada.

Augusto F. Guerra

sábado, 20 de setembro de 2008

Ode à Apolo


Não... Não mais a sinto em minhas mãos

Esvaeceu-se minha razão...

Desvaneceu-me as alegrias


Na ponta de meus dedos... a solidão

Do frio e insólito desejo de uma vez mais

Mas quisera a sorte reservar-me

O não mais poder

O não mais criar

O não mais seguir

O não mais...


São onerosas as noites

Sem seu abrigo-canção

As tardes insidiosas

As manhãs dissonantes

Uma vez que não me abrigas mais


Remetem-me às lembranças

O fagote lisonjeiro

O fole em alto tom

O intercalar das cores

Do piano forte


Triste ironia, cômica tragédia

Cercado da beleza de seus iguais

Dos porta-vozes de seu esplendor

Eis me tácito e incapaz


Impotente ante a grandeza

Da enfermidade do abismo


Euterpe, Aede, rogam

À divindade por mim!


Pois que reside em mim

Ainda

A esperança imortal

De um dia quiçá

Pela dádiva

De Zeus

E comiseração

De Apolo

Deleitar-me

Uma vez mais

Da música que

Um dia habitava

Em mim


Joaquim A. Vasconccelos

domingo, 14 de setembro de 2008

Amargo

Fere...

Corta...

Dilacera a carne, lembranças


Em chamas a alma crepita

De onde o inferno era só uma chama...

No fundo um desejo:

Congelar no frio da solidão

Para anestesiar as feridas

Da incisão brutal do abandono


Sem asas para voar o destino é a queda

No vazio do encontro consigo

Um encontro tardio...

Arrependimento esquartejado

Dor latente, mente em convulsão


Olhos secos, rubro semblante


Serve-te da corda temperada para ti!

Espera teu o diâmetro pescoço

Ou isso...

Ou...


Fere...

Corta...

Dilacera a carne: Lembranças

Augusto F. Guerra

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

De como quase fui ladrão - Parte II


Como todo bom filme tem a parte dois, lá vamos nós de novo. Acredito que as forças do mal definitivamente me queriam do seu lado. Já não bastasse a corrupção me tentar com o caso do boneco vermelho do Pinóquio, meus amigos acabaram por me enredar numa estória de roubo, violência e assassinato! Brincadeira foi só roubo mesmo. Vamos aos fatos. Tínhamos saído da escola juntos, como era de habito. Éramos em numero de cinco: eu, meu irmão, o Alex, o Mourinho e o Nalberto. Esses três últimos eram irmãos e nossos vizinhos de longa data. Morávamos todos em um conjunto habitacional na saída da cidade. Até a escola era uma longa caminhada. Já era hora do almoço, estávamos esfaimados e a caminho de casa, o que não nos impediu de peraltearmos um pouco em nosso percurso. O Nalberto teve a idéia, “vamos passar no mercado”, ao que prontamente nos dispusemos sem o menor questionamento. Não sabíamos bem ao certo o que faríamos lá. Só não queríamos desperdiçar os instantes de liberdade que tínhamos. Na verdade, meus pais até davam bastante liberdade para mim e meu irmão, o que já não acontecia com o Nalberto e seus irmãos. Seus pais eram bastante rigorosos e severos, principalmente com os seus estudos. Quando chegavam da escola, almoçavam, descansavam um pouco e tinham que enfiar a cara nos livros. Era a tarde inteira estudando. Eu e meu irmão sempre dávamos um jeito de atrapalhar essa tarefa árdua dos nossos amigos. Como o pai deles trabalhava o dia inteiro, chegando sempre ao fim da tarde, a tarefa de coordenar os estudos era da mãe, que era severa, mas muito educada também. Quando eu e meu irmão chegávamos à casa do Nalberto, sua mãe sempre dizia “Nalberto, Alex e Mourinho peçam licença para o meninos e vão estudar”. Mas entre essa ordem e o seu cumprimento havia uma distância enorme. No final das contas conversávamos bastante. Mas quando se aproximavam às 16 horas, era tempo de irmos, pois o Sr. Venâncio, pai dos nossos amigos, estava para chegar. Ele era um senhor muito educado e gentil, mas muito veemente também quando mandava os meninos estudarem. Outro dia, porque os meninos tinham tirado nota baixa, e não estavam se dedicando muito aos estudos, o Sr. Venâncio colocou os três de joelhos sobre uns punhados de milho. Para eu e meu irmão, foi engraçada a cena, mas para os meninos, pelos semblantes de sofrimento que esboçavam , acho que não foi nem um pouco agradável aquela situação. Por essas e outras é que o Nalberto e seus irmãos aproveitavam qualquer brecha de tempo para brincar e aprontar um pouco. Então adentramos no supermercado. Demos algumas voltas, olhamos alguns produtos, que logicamente não iríamos comprar, rimos um pouco, e fomos embora. No meio do caminho é que veio a surpresa. O Nalberto enfiou a mão na mochila tirou uns pequenos carrinhos e começou a distribuí-los ente nós. “Esse é pra você... pra você, pra você, pra você e pra você. Pronto! Um de cada. São de vocês”. Achei aquele gesto tão bonito! Compartilhar seus brinquedos com os amigos. Grande sujeito era o Nalberto. Então resolvi perguntar “Legal Nalberto, você comprou esses carrinhos pra gente?”, “Comprei!? Não... eles estavam jogados no chão do supermercado. Como ninguém parecia dar conta deles, peguei-os”, disse inocentemente o Nalberto. Parei, olhei para o carrinho vermelho, refleti um pouco e cheguei a uma conclusão: “Acho que já vi essa história antes”.

Cruz, Fabio. Compilação de minhas verdades: por Augusto Guerra; pg. 24-25.



sábado, 6 de setembro de 2008

Ferida


Pútrida carne exposta aos vermes

O som de suas bocas ecoa

Bocas famintas, bocas selvagens

Bocas sedentas


E rastejam sobre o tecido enrijecido

E são muitos, e o som... e a imagem...


Sinto vertigem com a cena bizarra

A ânsia, o nojo. De mim, o vômito ácido

E se deleitam no fétido líquido azêdo:

Sobremesa


Visão fervilhante e nefasta

Cheiro áspero e árido

Sensação de gastura


Com a mão os afasto

E vejo-os voltar

E habitar

Novamente

A grande e minha chaga aberta

Augusto F. Guerra

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Canção do morro*


Minha terra tem ladeiras

Fuzis e traficantes

As armas que aqui disparam

Ensurdecem e atormentam


Nosso céu cruzado de balas

Nossos olhos mais temores

Nossas valas têm mais corpos

Nossa vida mais horrores


Com muitos crimes à noite

Mais medo encontro eu lá

Minha terra tem ladeiras

E fuzis e traficantes


Minha terra tem maconha

Ecstasy, cocaína, heroína


Com muitos crimes à noite

Mais medo encontro eu lá

Minha terra tem ladeiras

E fuzis e traficantes


Oh, Deus! Permita que eu saia de lá

Para morar em outro lugar

Para desfrutar os prazeres

Que não encontro eu cá


Espero eu poder avistar

Um dia um belo e doce sabiá

Augusto F. Guerra


*Paródia do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias