terça-feira, 26 de agosto de 2008

Do mundo para Cabrobó


O cumpade Lau era proprietário de umas terras lá pras bandas de Cabrobó. Eram umas terras pequenas. A bem da verdade era um roçado. Lá ele plantava milho, macaxeira, feijão, tomate, batata, laranja, alface, cenoura, maracujá e outras culturas mais. Apesar das terras não serem de grandes expansões, o cumpade Lau era esperto o suficiente para aproveitar o espaço que lhe convinha.Um pé de cada cultura já dava pra alimentar a família. Desse montante de alimentos cultivados a maior parte ficava no seu roçado para sustento dele e da família. A outra parte era usada em trocas na feira livre, ou era vendida para se conseguir algum dinheiro. Era o cumpade Lau casado com Dona Zefa, e juntos tinham nove filhos: Pedro, Daniel, Augusta, Lindomar, Demétrio, Esdras, Joaquina, Rita e Antônio. Todos ajudavam seu Lau e sua mulher na colheita e nas tarefas domésticas. Fora isso não se tinha muito que fazer por lá. Os adultos faziam filhos, e as crianças... Estas aguardavam o momento de fazer o mesmo. Até lá ajudavam os pais no roçado. Não fazia muito tempo, tinha chegado energia elétrica pelas bandas de suas terras. Cumpade Lau não deu muita atenção. Isso até passar pela casa do cumpade Diodério, que havia comprado um aparelho de TV. Os eletrodomésticos viraram a sensação nas roças vizinhas. Liquidificador, aparelho de som, TV, geladeira. Era tudo uma novidade só. Era a energia elétrica uma benção pra aquela gente tão simples e humilde. Água gelada... Nossa! Aquilo era coisa de Deus. TV então... Era que uma diversão só. Desenho pras crianças, novelas para os adultos, telejornal para quem tinha estudado mais um pouquinho. Cumpade Lau ficou fascinado por aquela caixinha feita de um material plástico resistente e uma tela de vidro. “Acumaé que botaru essa gente toda aí drento?”. Mesmo sem saber como, cumpade Lau não poupou esforços. Juntou todo o dinheiro que pode – dinheiro proveniente das vendas dos excedentes do roçado - e foi numa loja para comprar a TV. Chegando lá descobriu que o dinheiro não era o suficiente. Era caro o aparelho. Se vendesse mais um pouquinho do que tinha plantado até que daria. Foi o que fez. Donha Zefa reclamou. Mas não adiantou, o homem era teimoso. Em casa fora uma festa só. As crianças pareciam pintinhos na bosta. Era que uma alegria só. Até Dona Zefa desfez a cara feia. Agora sim, seu Lau estava contente. “Eta bicho bão esse negócio de telévesão!”. Mas seu Lau não se conteve. No mês seguinte começou a namorar um aparelho de som. Musica... era “bão”. O mês anterior já tinha sido um aperto só por causa da TV. Para comprá-la, seu Lau teve que vender boa parte da colheita. E agora o som! Mas não podiam ficar sem. Aquilo também era coisa de Deus. Então comprou. Fora-se a outra parte da colheita. A comida começou a faltar na casa de seu Lau. Mas não era nada grave. Nada que uma farinha com açúcar não resolvesse. As crianças, entretidas com a TV, e agora o aparelho de som, nem lembravam o “de cumê”. Mas as compras não pararam por aí. No mês seguinte veio o liquidificador, no outro a geladeira. Dona Zefa até pediu uma batedeira pra seu Lau. E ele comprou. Depois de tanta gastadeira a comida faltou na mesa. As crianças começaram, a reclamar, Dona Zefa tava que era um agonia só. Seu Lau não tinha dinheiro pra comprar comida. Da roça tinha vendido tudo. Só havia umas palmas que nasceram por acaso no roçado. Sem colheita pra trocar ou pra vender, não teve como pagar a tal da conta de luz. “E tem isso é?”. Famintos os meninos começaram a chorar. A farinha e o açúcar também haviam acabado. Foi então que o menino mais novo, o Lindomar perguntou: “Painho, nóis pode cumê a TV?”.

Augusto F. Guerra

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