segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Januário e o causo da bicicleta


A vida de Januário, como a maioria dos nordestinos, era bastante difícil e sofrida. Acordava todos os dias às 3:30 da manhã. O café era simples. Um pãozinho francês dormido e um menorzinho*. A mulher despertava bem mais cedo, já que tinha que preparar o desjejum do marido. Àquela hora as crianças ainda estavam na cama. Por sorte tinham um pai, apesar de pouco instruído, muito consciente. Escola era prioridade para os filhos. Criança não trabalha! Mas a vida de Januario não era fácil. Além das poucas horas de sono, ganhava muito mal. O salário de bóia-fria era o suficiente para não morrerem de fome. O trabalho, no corte de cana, ficava a 10 quilômetros de casa. Todo dia ia e voltava a pé. Não era fácil. Mas um dia Tudo mudou!!! Juvenal comprou uma bicicleta!!! É... Não mudou tanto. Mas já lhe poupava de ter que andar tanto. Era uma bicicleta usada. Pintura vermelha, já um tanto descascada. Alguns pontos de ferrugem. O selim um tanto esfolado. Mas fora uma grande conquista. Depois de alguns anos de economia, a duras penas, adquiria seu mais precioso bem material depois de seu pequeno e velho casebre. Juvenal era daqueles sujeitos boa praça. Apesar de não ter nada, dividia tudo que tinha com todos(???). Outro dia dera metade do pão que comia para um pobre cachorro que lhe aparecera pela casa logo de manhã cedo. Era um homem de muito bom coração. Dizem até que vendo uma família na estrada certa feita deu todo o dinheiro que tinha no bolso para eles. Dois ou três reais, não sei ao certo. Mas voltemos a falar da bicicleta de Januário. O caso é que, dia desses, lhe pediram o veículo emprestado no trabalho, “Ô cumpade, me impresta a bicicreta pa mó dí comprá um fumo ali?”, ao que respondeu solidariamente Januário, “Má é craro, cumpade”. Era em torno de 10 da manhã. Passaram-se vinte minutos, trinta, uma hora, duas e nada do cumpade voltar. Duas horas da tarde. Nada do cumpade, Quatro horas, nada. Cinco e meia, nada ainda. Seis... Janúario resolveu ir caminhando para casa. Estava esgotado. Muito cansado mesmo. Era sábado. No domingo ia folgar. Já havia planejado um programão: ir à casa do cumpade Lau, com a mulher e os filhos. Que falta a bicicleta lhe fazia. Estava muito chateado. Depois de saborear o prazer de não mais ir andando para casa após o trabalho, vivera aquela penúria de novo. E por que? Por causa de um cumpade irresponsável? Mas o que poderia ter acontecido? Ao passar por um bar já perto de casa, avistara o cumpade que lhe pedira a bicicleta tomando uma pinga. Aproximou-se e perguntou, “Cumpade, ocê ta aqui? Cadê minha bicicreta”. O cumpade estava mamado*. Bebera desde que saíra de manhã cedo. “Cumpade Januário! Deve de tá La fora”. Januario deu uma espiadinha pela porta do bar. Não havia bicicleta nenhuma. “Num tá não, cumpade”, disse Januário. “Ah, cumpade, intão num sei não”. É... a bicicleta de Januário, conseguida com tanto suor e esforço esvanecera, se fora, escafera-se. E tudo por causa do cumpade pinguço. Outra não recebera como substituição. Comprar uma segunda bicicleta era praticamente impossível. O dinheiro não dava. Depois disso, voltaram os dias de penúria para se locomover para o trabalho. Pior era a volta, 10 quilômetros e cansado. Nunca mais emprestou, ou dividiu nada com ninguém. Pela roça corria o boato que Januario era sovina, canguinha, um miserável. Disseram até que, um dia desses, um pedinte lhe apareceu logo cedo pela casa para pedir-lhe um pedaço de pão, e Januário escorraçou o pobre coitado a pontapés.

Augusto F. Guerra

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